Exposição inédita “Arte dos Mestres” reúne 20 artistas da arte popular brasileira em São Paulo

Mais de 200 obras da arte popular brasileira, criadas por 20 mestres artesãos, grupos e famílias de vários estados brasileiros, como Alagoas, Ceará, Mato Grosso, Pernambuco e Pará, ocuparão o Espaço State, na Vila Leopoldina em São Paulo, a partir do dia 30 de agosto. Produzidas especialmente para a mostra inédita “Arte dos Mestres”, as peças estarão em exibição gratuita ao público, que também poderá conferir documentários exclusivos que contextualizam o aspecto social, cultural e criativo em torno desses artistas.

Iniciativa da Artesol, ONG dedicada à valorização do artesanato brasileiro, o projeto conta com o patrocínio do Instituto Cultural Vale e une forças com a SP-Arte Rotas Brasileiras para realizar a exposição até 3 de setembro. Mais do que destacar as criações, “Arte dos Mestres” busca fomentar a troca genuína de experiências entre os visitantes e os artistas.

“Teremos a chance de fruir de uma arte afetiva, plural, pulsante, e cheia de personalidade, por meio das formas, cores e temáticas de obras que reverenciam paisagens naturais, arquitetônicas e humanas do nosso país, com histórias contadas pelas mãos que repetem e reinventam técnicas e narrativas aprendidas com mães, avós e antepassados”, afirma Josiane Masson, diretora da Artesol e curadora da exposição ao lado de Marco Aurélio Pulchério. Segundo ele “o trabalho dessas pessoas mantém viva a tradição dos fazeres artesanais, perpetua e transmite saberes por meio de um ofício, e promove a inclusão socioprodutiva, o empreendedorismo baseado no comércio justo, e, sobretudo, o protagonismo desses artistas, muitos dos quais vem de comunidades quilombolas, indígenas e ribeirinhas”. O evento funcionará também como uma feira para a comercialização das obras, com os interessados comprando diretamente dos artistas.

Dividida em três ambientes, além dos documentários, a programação também contempla rodas de conversa abertas ao público, com participação dos artistas e mediação do antropólogo Ricardo Lima. No dia 3 de setembro haverá uma roda de conversa com especialistas da área – entre eles, a pesquisadora Adélia Borges e a diretora do Museu do Pontal, Ângela Mascelani.

“Nossa missão é funcionar como um catalizador para toda a potência que os saberes e fazeres presente nessa produção autoral já possui, mas que no Brasil ainda não recebe toda a atenção devida. Essa exposição, que também funciona como uma feira, busca destacar os processos artesanais na feitura das obras e a valorização da nossa cultura popular transmitida através de gerações”, completa a presidente da Artesol Sônia Quintella.

Sobre os artistas:
Sil da Capela (1979)
Uma das principais expoentes da arte figurativa em cerâmica do país, Maria Luciene da Silva Siqueira, mais conhecida como Sil da Capela, nasceu em Cajueiro no estado de Alagoas, e trabalhou desde os oito anos de idade com o corte de cana-de-açúcar para engenhos da região e, por isso, não pode frequentar a escola. Mudou-se para a cidade de Capela e, em 2001, começou a frequentar a oficina do mestre ceramista João das Alagoas em um projeto profissionalizante para mães de crianças com deficiência. Hoje, seus trabalhos são exibidos em livros de arte e exposições nacionais e internacionais, representando e reinventando suas memórias de infância e o cotidiano de Capela: crianças brincando, mulheres rendando, rodas de violeiros, casais namorando, entre tantas outras cenas que acontecem à sombra de uma jaqueira, árvore que se tornou marca registrada do trabalho da artesã.

Sil da Capela Crédito: Theo Grahl

Rosalvo Santana (1964)
Rosalvo Maltez Santana trabalha e vive em Maragogipinho, distrito do município de Aratuípe (BA). Filho do oleiro Amiordes Santana, o Mestre Roxinho, é um dos poucos santeiros da região e se destaca por ter desenvolvido de forma autodidata suas técnicas de modelagem e de queima. Em seu trabalho, combina a suntuosidade do barroco e o exagero das formas do rococó para adornar os mantos e vestes com finíssimas dobras, redobras e pregueados. Participou de exposições como a IV Bienal do Recôncavo (1998) e do 13º Salão do Artesanato Raízes Brasileiras (2019), e foi vencedor do primeiro lugar no Concurso de Presépio (IPAC – 1998).

Jasson (1954)
Entalhador habilidoso, Jasson Gonçalves da Silva vive no povoado de Monte Santo, Belo Monte (AL), onde busca inspiração na caatinga para produzir suas peças, arquitetadas sem nenhum esboço, e criadas a partir de galhos e madeiras caídos. Observador atento, diz que a madeira é viva, ela mesma explica como quer se transformar. Ao contrário de vários artesãos, Jasson começou sua produção artística apenas aos 60 anos, estimulado pelos galeristas Maria Amélia Vieira e Dalton Costa a produzir esculturas em madeira.

Mestre Cunha (1951)
José Francisco da Cunha nasceu em um engenho em Ipojuca, Pernambuco e já na infância fazia seus próprios brinquedos, utilizando miolo de bananeira e madeira. Utilizando madeira e outros materiais reaproveitados, ele cria esculturas que possuem características fantásticas, eróticas e bem-humoradas, misturando formas humanas, animais e de máquinas em obras batizadas com neologismos curiosos inventados por ele, como camelauroteupai e parampalho.

João Borges (1970)
Nascido em Teresina (PI), João de Oliveira Borges Leal, vive no município vizinho, Timon (MA), localizado na outra margem do rio Parnaíba que faz a divisa entre os dois estados. Suas esculturas feitas em cerâmica retratam cenas cotidianas com impressionante realismo e não recebem pintura para, justamente, evidenciar a cor e a textura do barro. Retrata momentos efêmeros e singelos, tendo como principal inspiração cenas regionalistas.

Mestre Aberaldo (1960)
Aberaldo Sandes Costa Lima cresceu no povoado Ilha do Ferro, localizado às margens do rio São Francisco, em Alagoas, sendo considerado um dos precursores do entalhe na região, hoje vista como polo de arte popular. Em sua produção, iniciada em meados dos anos 1980, utiliza galhos e troncos caídos de umburana e mulungu para criar barquinhos e cabeças com corcundas inspiradas em Frei Damião, um frade italiano radicado no Brasil que fazia pregações pelo Nordeste. Essas esculturas são raras, pois encontrar os troncos adequados para produzi-las é questão de sorte.

Mestre Luiz Antônio (1935)
Único aprendiz ainda vivo de Mestre Vitalino, que o convidou a expor suas peças ao lado de sua banca na Feira de Caruaru, Luiz Antônio da Silva recebeu, por voto popular, o I Registro de Patrimônio Vivo do estado de Pernambuco, um importante reconhecimento pela relevância de seu legado artístico e cultural. Uma das principais características de seu trabalho é a representação de cenas e objetos relacionados à tecnologia e atividades profissionais, o que o levou a desenvolver uma técnica bastante sofisticada de modelagem e de queima para conseguir representar com detalhes os mecanismos das máquinas.

Mestre Cornélio (1956)
Aos 15 anos, o mestre artesão do Piauí foi convidado por um padre italiano para entalhar a imagem de Cristo para a capela do bairro, sob a orientação do artista Carlos B. A partir desse momento, passou a entalhar por encomenda e a expor suas peças em eventos e feiras. Atualmente trabalha em parceria com seu filho, Leonardo Leal de Abreu, que também é entalhador. Com o falecimento dos mestres, também entalhadores, Dezinho e Expedito, José Cornélio de Abreu é o mais antigo artesão vivo da tradição de santeiros do Piauí, considerado patrimônio imaterial do Estado pelo IPHAN em seu Inventário Nacional de Referências Culturais.

Francisco Graciano (1965)
Filho de Manuel Graciano, reconhecido artista da arte figurativa do Cariri, Francisco Graciano é entalhador que já teve passagem pelo Centro de Cultura Popular Mestre Noza, Juazeiro do Norte (CE). Suas obras nascem da observação atenta e da riqueza do imaginário popular da região. Não faz esboços e não desenha na madeira antes de começar o trabalho. Em seu processo criativo, a peça não nasce pronta, ela se transforma ao longo de sua produção.

Everaldo Ferreira (1987)
Nascido em Terra Nova, Pernambuco, José Everaldo Ferreira da Silva aprendeu a entalhar no Centro de Cultura Popular Mestre Noza, no Ceará, ainda criança, e hoje é um dos maiores escultores e referência na produção de imagens de Padre Cícero, grande símbolo da fé católica no Sertão Nordestino.

Din Alves (1985)
Aparecido Gonzaga Alves, mais conhecido como Din Alves, vem de uma reconhecida linhagem de artistas – seu avô Pedro Luiz Gonzaga era xilógrafo, assim como seu primo José Lourenço. Morava no bairro Boca das Cobras, considerado um celeiro de artesãos e começou a trabalhar com a madeira na adolescência como ajudante, lixando peças. Logo desenvolveu um estilo próprio para representar personagens da cultura popular: atarracados e gordinhos, atraem muitos admiradores e colecionadores. Entrou muito jovem para o Centro Cultural Mestre Noza, onde ficou por 18 anos e atuou em cargos de gestão, compartilhando seus conhecimentos com as novas gerações.

Tiago Amorim (1943)
Multiartista, Tiago Amorim trabalha com pintura em tela, gravura, entalhe em madeira, desenho e escreve poesias. Na cerâmica, técnica que o projetou no circuito da arte, suas obras têm como temática o corpo feminino e a natureza – peixes, aves, cavalos e cajus. Aprendeu a modelar a argila com grandes mestres do ofício de Caruaru e Tracunhaém e possui amplo conhecimento técnico sobre a cerâmica, argila, porcelanas, faianças (cerâmica branca ou marfim) e outros materiais. Suas peças se destacam pela elegância dos traços e pela sofisticação do acabamento esmaltado. Em seu processo criativo, Tiago propõe uma reinterpretação estética original das formas da cerâmica tradicional utilitária: uma jarra partida ao meio torna-se dois peixes e duas gotas unidas dão vida ao atobá.

Willi de Carvalho (1966)
Autodidata, o mineiro Welivander César de Carvalho é reconhecido como um dos maiores miniaturistas do Brasil, responsável por retratar cenas e personagens populares, como festejos, manifestações artísticas, personalidades da cultura brasileira e favelas, tudo em minuciosa e pequena escala. Especialmente para “Arte dos Mestres”, ele trará sua série “Pretas do Willie”, homenageando nomes como Carolina Maria de Jesus, Maria Elisa Alves dos Reis (primeira palhaça negra do Brasil), Chica da Silva, Elza Soares, entre outras personalidades negras brasileiras.

Clélia Lemos (1953)
A mineira Maria Clélia Lemos (1953) começou a trabalhar com costura com a mãe, fazendo sapatilhas de tecido para vender, mas logo passou a criar e estandartes há 20 anos. O primeiro foi criado para ocupar uma parede vazia em uma exposição de Willi Carvalho, seu companheiro na época. A obra foi muito elogiada e, Clélia, que não se considerava artista, descobriu sua vocação. Sua produção apresenta o simbolismo religioso do catolicismo mineiro, permeado pela forte devoção e manifestações populares. Devido à riqueza das cores e texturas combinadas com harmonia e beleza, suas peças causam um grande impacto visual e têm chamado cada vez mais a atenção de colecionadores e galeristas Brasil afora.

Marivaldo Costa (1971)
Parte da terceira geração de uma família de ceramistas do Marivaldo Sena da Costa já dominava todas as etapas da produção da cerâmica aos 15 anos de idade e, por isso, foi considerado mestre ceramista muito jovem. Suas obras seguem o estilo Icoaraci ou Paracuri, que reinterpretam os grafismos das cerâmicas arqueológicas marajoaras encontradas na região do Pará. Nos anos 1990, começou a se dedicar de forma mais profunda ao estudo da cerâmica arqueológica, a partir da observação de fotografias e das peças de Mestre Raimundo Cardoso, pioneiro na produção de réplicas fiéis desses artefatos. Devido à sua maestria na técnica, em 2016 Marivaldo foi convidado a fazer parte do projeto Replicando o Passado, realizado pelo Museu Paraense Emílio Goeldi com o objetivo de replicar as peças mais representativas de seu acervo. Atualmente, junto a outros quatro ceramistas, Marivaldo Costa é uma das maiores referências na produção de réplicas de cerâmicas arqueológicas deixadas por diferentes povos que habitaram a Amazônia.

Família Cândido (Ceará)
A produção cerâmica da família cearense começa na década de 1960, quando Maria de Lurdes Cândido Monteiro decide modelar brinquedos de barro, ao lado das filhas Maria Candido e Maria do Socorro. Anos depois, as três ficaram conhecidas como as “três Marias de Juazeiro”. Maria de Lurdes Cândido foi reconhecida como Mestra da Cultura pelo estado do Ceará em 2004. Faleceu em 2021, deixando seu conhecimento como um legado para a família. Atualmente, cinco filhos, uma nora e uma neta seguem na produção. Assinam as obras com as iniciais dos nomes, formando um código de identificação das artistas. Assim como outros artesãos e núcleos produtivos de Juazeiro do Norte, a família Cândido também integra o Centro Cultural Mestre Noza, onde expõe e comercializa suas peças. Seus temas são a manifestação figurativa em cerâmica mais expressiva da região, que possui forte tradição no entalhe em madeira.

Família Santos (Bahia)
A tradição figurativa da família baiana teve início na década de 1960, quando Armando Santos aprendeu a produzir pequenas figuras de presépio para vender à população local de Cachoeira (BA) e turistas. Repassou os conhecimentos para os irmãos Cecílio Santos e Cândido Santos Xavier, mais conhecido como Tamba, criador das imagens que consagraram o trabalho da família como expressões da arte afro-brasileira: o Exu sentado com uma boca enorme e vermelha, a Barca de Exus, o Falso padre e a Falsa freira. Atualmente, a nora de Armando, Aletícia Bertosa Ribeiro, e seu neto Florisvaldo Ribeiro dos Santos são os únicos artistas que continuam a tradição iniciada pelos irmãos. Apesar da exibição das obras da família durante a emblemática exposição Bahia no Ibirapuera (1959), sob a curadoria de Lina Bo Bardi, e de outras importantes exposições curadas por Emanuel Araújo nos anos 2000, a presença delas nessa mostra tem o objetivo de reativar seu legado e divulgá-lo para um público mais amplo, reiterando o prestígio e a relevância que devem ter enquanto obras de arte genuinamente brasileiras.

Família Antônio de Dedé (Alagoas)
Antônio Alves dos Santos (1953), conhecido como Mestre Antônio de Dedé, deixava as esculturas de madeira que criava cuidadosamente expostas em casa para serem vistas por clientes enquanto trabalhava na lavoura. Foi descoberto por uma galerista de arte popular, que divulgou seu trabalho e o estimulou a explorar ainda mais a sua criatividade. O mestre repassou seus conhecimentos para os noves filhos, que continuam o trabalho do pai e o transmitem para novas gerações, mantendo vivas suas principais características: a expressividade dramática dos personagens e a composição colunar, sem deixar de imprimir em cada nova criação sua própria individualidade artística. Alguns passaram a criar peças encaixáveis, que extrapolam a forma original. Já as filhas criam principalmente totens com entalhe econômico, mas graficamente ricos devido à pintura colorida e detalhada.

Família Teles (Minas Gerais)
Geraldo Teles de Oliveira (1913 – 1990), mais conhecido como GTO, foi um famoso escultor mineiro, cujas obras de grandes dimensões criadas com a ajuda do filho Mário Teles, foram apresentadas em exposições, museus e bienais nacionais e internacionais em diversas instituições renomadas. Alex Teles, filho de Mário, também seguiu os passos do avô e do pai, e continua a entalhar na madeira imagens que contam histórias da mitologia e cultura popular brasileira e da relação artística existente entre GTO, Mário e Alex, que formam uma trindade artística.

Wauja (Parque Indígena do Xingu – Mato Grosso)
Também descritos como Waurá, os povos originários brasileiros falantes de uma língua arawak, compartilham semelhanças culturais e linguísticas com os Mehinako e habitam a região do Alto Xingu. As peças dessa exposição foram produzidas por artistas da maior das 6 aldeias que formam essa comunidade, a Piyulaga. Os Wauja são bastante conhecidos por sua produção cerâmica, pois são os únicos povos do Xingu a produzi-la. Sua estética é inconfundível e única no mundo. Atualmente atendem especialmente o mercado de lojas de arte e artesanato, mas também são procurados por outros povos do complexo xinguano, que trocam diferentes tipos de artefatos por panelas de diversos tamanhos. São, assim, os grandes fornecedores de artefatos cerâmicos para todo o Xingu.

Wauja (Parque Indígena do Xingu) Crédito: Theo Grahl

Mehinaku (Parque Indígena do Xingu – Mato Grosso)
Os Mehinaku possuem uma população aproximada entre 300 e 400 indivíduos, divididos em 5 aldeias situadas nas margens dos rios Kurisevo e Kuluene, na região do Alto Xingu. São falantes de uma língua da família Arawak e guardam muitas semelhanças linguísticas e culturais com os Wauja. No campo das artes e da produção artesanal, os Mehinaku. Entre os destaques na produção artesanal desta população, estão as máscaras e canoas. Já as mulheres se dedicam a um sofisticado trançado em fibra de buriti e linha de algodão, com belíssimos grafismos e desenhos. Com o trançado, confeccionam principalmente cestos e esteiras que ganham novos desenhos e formas para além do uso cotidiano, tornando-os objetos de desejo graças ao seu design original. As obras apresentadas nesta exposição foram confeccionadas por artistas da aldeia Kaupüna, criada em 2014.

Artistas Mehinaku – Alto Xingu – MT Créditos: Theo Grahl

Serviço:
Feira-Exposição Arte dos Mestres
Curadoria: Josiane Masson e Marco Aurélio Pulchério
Realização: Artesol | Patrocínio: Instituto Cultural Vale
Local: Espaço State – Avenida Manuel Bandeira, 360 – Vila Leopoldina, São Paulo/SP
Período: 30 de agosto a 3 de setembro de 2023
Horários: quarta-feira, das 12h às 19h; quinta a domingo, das 11h às 19h.
Entrada gratuita. Mais informações em www.artesol.org.br

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